domingo, 15 de fevereiro de 2004

Noite

Que sinto eu quando vou à janela e olho para o céu numa noite límpida?
Que estranha emoção é essa que me invade ao contemplar aquele universo de luz e escuridão?
De noite vou na rua e olho para cima. É sempre a mesma sensação, a mesma exclamação:"Uau............." Quem vem comigo olha para mim e segue o meu olhar:"Que foi?!"
*suspiro*
Como é possível olhar para aquela maravilha e não VER!
Se a noite estiver suficientemente escura, se não houver poluição luminosa, se nos encostarmos e fitarmos o espaço, podemos perder-nos nele...
Há uma sensação de profundidade, uma impressão de viagem, um eterno maravilhamento. O deslumbramento da descoberta de algo tão grande que não se compreende, não se apreende, não se entende.
Os padrões aprendidos (mas não os definitivos) saltam à vista. Ali um caçador, além um escorpião, daquele lado um dragão. Pontos vermelhos, amarelos, azuis fulgurantes.
Manchas esbatidas indicam nebulosas ou mesmo galáxias inteiras. Ali um pequeno ajuntamento de estrelas: uma irmandade lendária.
A estrela mais brilhante, um farol no Inverno, segue o caçador no seu esplendor.
Há algo em mim que se comove com este espectáculo, algo que chora e ri ao mesmo tempo. Algo que anseia por não sei o quê...
Sinto-me realizada e frustrada sempre que me rendo à noite. Mas quem olhar para o meu rosto, voltado para o céu, enquanto me deixo afundar em êxtase, verá um enorme e feliz sorriso. Queria ficar ali toda a noite......

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2004

Inverno

O Inverno não costuma ser eleito como a estação do ano preferida. É frio, chuvoso, escuro... Todos anseiam pela luz da Primavera, ou o calor do Verão. Mas esta época tem muita beleza.
Quando neva, a paisagem torna-se um sonho. Lembro-me de quando vivia numa freguesia no meio do campo e numa noite dei-me conta que nevava. À luz dos candeeiros, os farrapos de gelo caíam muito suavemente, em silêncio, e iam acumulando-se no chão frio.
No dia seguinte acordei e fui à janela. Um manto branco cobria todo o campo que no dia anterior era verde. Os ramos dos pinheiros, normalmente erguidos para o céu, estavam agora curvados sob o peso da neve, que caíra tão levemente de noite. Ouviam-se ao longe os ruídos de ramos a estalar. Os pinhais pareciam mais escuros, os troncos negros, contrastando com a brancura da neve. Para uma miúda que nunca tinha visto neve, foi mágico.
Mas não é só quando neva que o Inverno é belo. No outro dia fui com o meu pai a S. Pedro do Sul. Chovia e formava-se nevoeiro. Um dia escuro, húmido e triste. E, no entanto, maravilhei-me com a beleza das encostas e dos vales e da floresta.
As folhas dos carvalhos tornaram-se castanho-avermelhado, algumas ainda nos ramos, a maioria cobrindo o chão de cor intensa. Os pinheiros conferiam um verde escuro, e as rochas salientes o cinzento. Os troncos negros das árvores estão cobertos de líquen e musgo e no chão cresce erva verde brilhante. Aqui e além florescem as mimosas, curvadas ao peso das flores. De um talude precipita-se uma pequena cascata, alimentada por uma qualquer nascente. Sobre todo este conjunto, paira uma leve bruma, conferindo-lhe uma sensação de encantamento. Julgo estar num daqueles bosques das lendas, quase espero saltar-me ao caminho uma fada ou um duende, uma menina de capuchinho vermelho ou uma raposinha audaz. Apetece-me pôr uma capa aos ombros, cobrir a cabeça com o capuz e ir à aventura naquela floresta mágica, correr nos prados verdes, matar a sede nos regatos de água pura.
Não me digam que o Inverno é triste e feio. Se não o conhecem, partam à descoberta.

domingo, 1 de fevereiro de 2004

Columbia, um ano depois...

Fez hoje um ano que o vaivém espacial Columbia se desintegrou. Hoje já quase ninguém se lembra. Muitos não devem sequer ter prestado muita atenção na altura. O programa do vaivém estava já muito banalizado, e o terrível desastre de Challenger tinha já sido há muito tempo.
Foi por isso um choque para mim, naquele sábado, quando ao preparar-me para sair ouvi um especial de informação na televisão.
"Perdeu-se o contacto com o vaivém espacial Columbia". Olhei para o écran e gelei. A imagem mostrava um rasto sinistro num céu azul, destroços em chamas a cair.
Ai não!, exclamei, não pode ser! Aquilo não podia ser real, o shuttle quando regressa não deixa aquele rasto. "Não me digam isso...", pedi, sabendo bem que era inútil.
A minha mãe, acho que ainda não tinha percebido bem o que se passava, perguntou se iam pessoas lá dentro. E nesse momento vieram-me lágrimas aos olhos.
Rick D. Husband, comandante; William C. McCool, piloto; Michael P. Anderson, comandante de carga; David M. Brown, especialista de missão; Kalpana Chawla, especialista de missão; Laurel Blair Salton Clark, especialista de missão; Ilan Ramon, especialista de carga...
Sim, mãe, sete pessoas.
"Coitados, imagina a sua aflição" Foi demais! "Eles já estão mortos, mãe!"
Demasiada fúria, demasiada tristeza. Saí, e passei uma tarde enervante. Queria saber o que se passara, ver as notícias, ouvir os especialistas, e não havia uma única televisão por perto.
Uma missão estritamente científica, incluindo experiências europeias sobre o funcionamento do aparelho cardiorrespiratório e outras sobre o cancro. Pesquisa científica que reverte a favor de todos nós. Que pensa o mundo que eles andam a fazer por lá? Gastam balúrdios para flutuar em microgravidade e brincar com bolhas de líquido?! Quantos de nós não teriam já morrido se não fosse a tecnologia espacial?
Imagens tristes. Um capacete chamuscado. Um emblema de missão que comove o homem que o mostra à câmara.
A missão começou mal. Na descolagem caiu um pedaço de espuma isolante do tanque principal e atingiu a asa esquerda. Fico chocada. Aqueles técnicos costumam prestar atenção à mais pequena minhoquice, o ritmo cardíaco ou a pressão arterial de um astronauta, mas não procuraram determinar as consequências daquele incidente.
Por fim, o relatório final do inquérito aponta graves problemas na estrutura interna da NASA. Há que mudar, há que simplificar, há que inovar e melhorar a eficiência.
Agora Bush resolveu apostar no programa espacial. Eleições à porta, Marte por tudo quanto é lado. Esquece-se que uma das suas primeiras acções quando chegou à Casa Branca foi cortar no orçamento da NASA.
Agora já passou um ano. Mas ainda me lembro, muitas vezes, do desgosto que tive, e da incompreensão que encontrei. Mortes assim, inesperadas, mas que podiam ter sido evitadas, revoltam-me, desesperam-me, tornam-me mais amarga. O nosso mundo pode ser belo. Mas poucas vezes somos nós os responsáveis.
Ficam os resultados do trabalho da última tripulação do Columbia. E imagens belíssimas que recolheram em órbita. Apesar de tudo, cumpriram o seu sonho. E morreram ao regressar a casa, numa límpida manhã de sábado.
Esta foi a minha pobre homenagem.

Mimosas

Esta é uma das minhas épocas do ano preferidas. As mimosas estão em flor.
Adoro mimosas. No auge do Inverno, frio, chuva, desânimo, estas magníficas árvores resolvem desabrochar por todo o lado, colorindo a paisagem de amarelo brilhante.
Há pequenas árvores, ainda jovens, que timidamente dão apenas algumas flores, sobressaindo do verde pálido das folhas. E há as grandes mimosas, que generosamente nos brindam com uma abundância de cachos de flores, tantos que os seus ramos se curvam, carregados de amarelo.
E não é um amarelo pálido, ou mais torrado. É brilhante, vivo, cheio. Por vezes tão intenso que nem se vê o verde da folhagem, apenas uma enorme massa amarela, que desce as encostas, alegra os vales, curva-se para os rios e ladeia as estradas.
Todos as anos espero impaciente pelas flores de mimosa. Quando vou de fim-de-semana, do autocarro olho para os campos e sinto um enorme prazer ao encher os olhos daquele amarelo intenso, puro. Tenho vontade de sair, estender as mãos e tocar aquelas pequenas flores redondas, brilhantes, frágeis e perfumadas.
Há outras flores no Inverno, mas as mimosas são a minha paixão. Surgem para nos restituir a esperança, para nos lembrar que o Inverno não dura para sempre. Quando chove, dão cor à paisagem cinzenta. Quando o sol brilha, resplandecem de luz.
Em breve murcharão, como todas as flores, efémeras e frágeis. Mas nessa altura já a Primavera estará a enviar os seus mensageiros, o sangue e a seiva correrão mais rápido.
As mimosas terão cumprido a sua missão de florir, ao mesmo tempo dando-nos alento para resistir mais um pouco.
E quando por fim o seu amarelo puro se tornar baço, pálido e cansado, sei que para o ano as flores brilharão de novo, alegrando as minhas viagens e pensamentos.